A Educação por Assinatura: Quando a Escola Vira um Serviço de Streaming
Imagine matricular seu filho em uma escola e, de repente, descobrir que a mensalidade já não cobre mais o acesso à sala de aula. Agora, para que ele possa simplesmente sentar-se em uma carteira, olhar para o quadro e aprender, você precisa pagar uma taxa adicional. O uso do espaço físico virou um “serviço extra”, essencial, mas vendido separadamente. O argumento? Uma nova “experiência educacional”, mais “moderna e inovadora”. Na prática, no entanto, a única inovação foi a criação de uma nova fonte de receita para a instituição.
Agora, transportemos essa lógica para o mundo digital. Em vez de os pais comprarem os livros escolares separadamente, a escola impõe a aquisição de uma plataforma de ensino digital como condição para que os alunos recebam os materiais físicos. É como se, ao comprar um livro, você fosse obrigado a pagar por uma assinatura de um serviço digital para ter direito ao conteúdo impresso. O problema? Não há escolha real – ou aceita o pacote fechado, ou simplesmente fica sem acesso ao material necessário.
E não é só isso: esse modelo elimina também a possibilidade de comprar livros usados ou trocá-los com outros pais, uma prática comum que ajudava a reduzir os custos da educação. Ao impor a plataforma digital, a escola fecha o mercado e impede que os pais busquem alternativas mais econômicas.
Isso limita abusivamente o direito de escolha, além de caracterizar uma venda casada, práticas abusivas proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Essa foi a conclusão do Ministério Público do Estado da Bahia.
Em dezembro de 2024, o MP/BA ajuizou uma ação contra uma escola da rede privada de Salvador e a empresa responsável pela plataforma digital de ensino, após constatar que a escola condicionava a entrega dos livros físicos à aquisição da plataforma digital, configurando venda casada.
Na ação, o MPBA solicitou à Justiça que a escola apresente um novo modelo de contrato, permitindo a compra separada dos livros físicos e da plataforma, e detalhe os valores de cada item, entre outras medidas. Essa ação demonstra a preocupação do poder público com a falta de transparência e a imposição de pacotes fechados, que limitam a escolha dos pais e aumentam os custos da educação.
Uma Nova Mensalidade Disfarçada de Tecnologia
No âmbito da computação, plataformas digitais são apenas meios — ferramentas que deveriam facilitar o acesso ao conhecimento, e não se tornar barreiras financeiras impostas aos alunos. No entanto, ao monopolizar a distribuição do conteúdo educacional em um sistema fechado e inacessível por outros meios, essas plataformas funcionam mais como um DRM (Digital Rights Management) da educação. Assim como serviços de streaming restringem o acesso a músicas e filmes por meio de assinaturas, essa plataforma digital faz com que os pais não possam simplesmente comprar um livro e utilizá-lo livremente, mas fiquem presos a um sistema de controle digital, sem alternativas.
Se um aluno precisa de um livro físico, deveria poder comprá-lo separadamente, assim como ocorre com qualquer outro bem de consumo.
No entanto, a escola — em parceria com a fornecedora do sistema — estruturou um modelo no qual os livros físicos são entregues apenas como “brinde” da plataforma, mascarando o custo real dos materiais e impedindo qualquer alternativa para os pais.
Impacto Além do Preço: Dependência Tecnológica e o Fim da Concorrência
Esse modelo não apenas onera financeiramente as famílias, mas também afeta a qualidade pedagógica e distorce o mercado educacional. Ao forçar um sistema fechado, a escola restringe a diversidade de materiais didáticos disponíveis, limita a autonomia dos professores e cria uma dependência tecnológica desnecessária. E se os alunos não tiverem acesso adequado a dispositivos ou internet? Como ficam as famílias que não podem arcar com mais esse custo imposto?
Além disso, essa prática afeta diretamente o mercado editorial. Pequenas editoras e autores independentes perdem espaço, pois os materiais didáticos são substituídos por um sistema fechado de distribuição, onde apenas uma fornecedora tem controle sobre o conteúdo. O que antes era um mercado competitivo, com diferentes opções de livros e metodologias, agora se torna um monopólio disfarçado de inovação digital.
A cobrança separada por plataformas digitais, sob o pretexto de autonomia didática, não se sustenta. Se a plataforma é imposta como indispensável para o ensino e integra a metodologia adotada, então não pode ser tratada como um serviço opcional ou um custo extra dissociado da estrutura básica da educação. Afinal, o ensino não se dá de maneira fragmentada: uma escola não poderia funcionar sem sala de aula, iluminação ou cadeiras, e ninguém conceberia a ideia de cobrar separadamente pelo uso desses elementos essenciais.
O aprendizado, que já é um investimento significativo para as famílias, se transforma em uma sucessão de barreiras artificiais, que visam aumentar a dependência e a lucratividade, sem oferecer uma escolha real ao consumidor.
Inovação Não Pode Ser Um Pedágio Digital
O MP não questiona o uso de plataformas digitais, mas sim a falta de transparência e a ausência de alternativas para os pais. A verdadeira inovação educacional não pode ser um esquema de monetização travestido de tecnologia. Afinal, se o objetivo fosse apenas reduzir custos e modernizar o ensino, os pais teriam o direito de escolher o que realmente agrega valor à educação de seus filhos — e não serem forçados a pagar um pedágio digital para acessá-la.
Em vez de transformar a educação em mais um serviço de assinatura, onde se paga por cada “conteúdo extra”, as escolas deveriam buscar modelos mais transparentes e equitativos, que valorizem o aprendizado genuíno e não a dependência forçada. A educação não pode ser tratada como um mero serviço de streaming — ela é um direito, não um privilégio condicionado a um modelo comercial fechado.