Macetando o fim da odisseia terrestre

Juliana
2 min readFeb 15, 2024

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Neste carnaval confesso que me vi relegada a uma posição de espectadora, muito longe da algazarra e do calor humano que tomam as ruas que gosto. Os carnavais do passado, nos quais eu me jogava sem reservas ao ritmo de “Minha Pequena Eva”, pareciam agora uma memória distante, enquanto me acomodava diante da televisão, um refúgio seguro, mas insosso, para quem já teve a pele tingida e coberta de glitter.

Foi então que, numa reviravolta digna dos contos mais fabulosos, Baby Consuelo, ícone eterno dessa festa pagã, elevou a voz sobre o burburinho festivo para proclamar o fim dos tempos. Anunciou, sem meias-palavras, que nos restavam apenas cinco anos neste planeta, instando a todos a um arrependimento imediato. A multidão, em um primeiro momento, petrificou-se, para depois se deixar levar pela estranheza do anúncio, como se aquela fosse a última piada de um Carnaval que sempre flertou com o absurdo.

A cena seguinte foi ainda mais surreal: Baby, num impulso que misturava profecia com folia, solicitou a Ivete Sangalo que entoasse “Minha Pequena Eva”, talvez como um prelúdio ao inevitável juízo final. Mas Ivete, com a sagacidade que lhe é peculiar, recusou-se a dar o braço a torcer diante do apocalipse. Em vez disso, prometeu enfrentá-lo com a mesma energia com que enfrenta seus shows: “Vou macetar o apocalipse”, disse ela, reafirmando que a festa, apesar das previsões, estava longe de acabar.

Observando aquela troca de bravatas e desafios, não pude conter o riso. Quantos carnavais já não haviam sido palco para minhas próprias aventuras amorosas, efêmeras e intensas, como a música que agora era recusada. “Minha Pequena Eva” sempre foi um hino, um chamado para amar e viver com a intensidade que só o carnaval permite, sem se preocupar com o amanhã. Jamais foi um chamado para o arrependimento, risos.

Mas aí, perdida em meus pensamentos, uma dúvida me assaltou, tão pungente quanto qualquer questão filosófica: se de fato o fim se avizinha em cinco anos, por que, afinal de contas, Baby Consuelo não poderia ter esperado até a quarta-feira de cinzas para fazer seu anúncio apoteótico? Será que o apocalipse não poderia ter a cortesia de aguardar o término da festa, permitindo-nos viver mais uma vez a ilusão de que, naquele breve interlúdio, nada mais importava além da música, da dança e do efêmero amor carnavalesco?

Com essa questão a ecoar pela sala, desliguei a televisão e me permiti sorrir, sozinha, diante da absurda beleza de um Carnaval que insiste em nos lembrar, mesmo com previsões de final dos tempos, que ele é e sempre será um refúgio para a alma, um lugar onde até o mais sombrio dos fins parece apenas mais uma desculpa para dançar.

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Written by Juliana

Crônicas sobre papel, caneta e arte.

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