Os pequenos guardiões de palavras

Juliana
2 min readJan 26, 2024

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Num desses dias em que o metrô parece um labirinto de vidas cruzadas, veio-me uma ideia, dessas que nos assaltam sem aviso e exigem ser registradas antes que se percam na bruma dos pensamentos cotidianos. Na pressa, tirei do bolso um caderninho pequeno, desses que cabem na palma da mão e são fiéis companheiros de aventuras e devaneios.

Lembro de ter lido, em algum canto esquecido da memória, que o poeta Pablo Neruda sempre carregava consigo um caderno pequeno. Não posso afirmar a veracidade dessa informação, mas, sinceramente, não me importo. Em meu coração, é inconcebível que “o maior poeta do século XX em qualquer língua”, título outorgado por ninguém menos que Gabriel García Márquez, não fosse um amante desses pequenos guardiões de palavras.

Os cadernos pequenos têm um charme peculiar, são quase mágicos. Eles se encaixam perfeitamente em bolsos, bolsas, nas dobras da vida. Neles, cabem ideias gigantescas em suas páginas limitadas, segredos sussurrados entre linhas, esboços de sonhos ainda por amadurecer. São testemunhas silenciosas de pensamentos fugazes, companheiros discretos que nos permitem capturar a essência dos momentos antes que se dissipem.

Neste meu caderninho, já registrei pensamentos que me ocorreram em meio ao caos urbano, frases ouvidas por acaso que pareciam carregar todo o sentido do mundo, rabiscos que só mais tarde revelariam seu significado completo. Cada página é um universo particular, um fragmento de tempo preservado.

Na conclusão dessas reflexões, penso em como, por vezes, os menores objetos podem conter os maiores tesouros. Esses cadernos são como pequenos baús, guardando pedaços da nossa existência, reflexos da nossa alma. Neles, o efêmero ganha permanência, e o ordinário, a chance de se tornar extraordinário.

Assim, enquanto o metrô segue seu caminho, indiferente aos devaneios de seus passageiros, fecho meu caderno e o guardo novamente. Ele é mais que um mero objeto; é um portal para um mundo onde cada palavra conta, cada ideia tem seu lugar. E, ao desembarcar, levo comigo a certeza de que, enquanto houver algo a dizer, algo a sentir, haverá sempre um caderno pequeno à espera, pronto para transformar o passageiro em perene.

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Written by Juliana

Crônicas sobre papel, caneta e arte.

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